Caminho

O sol brilhava menos do que no dia anterior quando eu botei meu uniforme de trabalho. Caminhei até o metrô pensando que o dia seria como qualquer outro. Chegando no trabalho, fui até a minha posição e lá fiquei, contando até os segundos para ir embora, quando uma menina se aproxima, confusa.

-  Oi, Boa noite. O senhor sabe me dizer onde fica o Clube do Flamengo?

Respondi, ela agradeceu e depois seguiu o caminho que eu indiquei, sorrindo. E o dia continuou como outro qualquer, apesar dela.

No dia seguinte a mesma coisa. Todo uniformizado, fui ao trabalho de metrô e novamente surgiu a menina com a mesma pergunta. Não era possível. Eu havia explicado o caminho no dia anterior e ela tinha o feito como orientei. Sorri. Essa menina queria alguma coisa comigo. Respondi ainda educado, porém com um leve charme que minha mãe sempre disse que eu tenho e a menina ainda nada: agradeceu e seguiu o caminho que eu indiquei.

Mais um dia amanheceu e lá fui eu: uniforme, metrô, trabalho. Mais uma vez a menina. Não é possível, pela terceira vez seguida? Ela realmente estava tentando achar um jeito de falar comigo. Eu sou casado, pensei em responder. Não que realmente fosse, mas é que a menina devia ter algum problema se achava que esse seria um modo de iniciar uma conversa. Fiquei olhando para ela alguns segundos sem responder como quem diz “o que você quer realmente me dizer?” mas nada disse. Só apontei a direção e ela seguiu, agradecendo.

Isso aconteceu por uma semana inteira. Meus colegas de trabalho já esperavam a menina passar. Minha família perguntava no jantar sobre ela como se fosse alguém da família. Eu até tinha começado a dar mais importância para o horário que eu chegava no trabalho. Meus dias começaram a se moldar a partir de perguntas que eu fazia sobre ela: por que ela vai tanto ao clube do Flamengo? O que faz lá? Será que ela realmente vai até lá ou só arruma uma desculpa para falar comigo? O que será que quer de mim?

Tudo isso se sucedeu por algumas semanas e todo dia eu respondia sua dúvida sem hesitar, e ainda testava maneiras diferentes de responder: um dia eu era debochado, outro simpático, outro esnobe. Até que um dia eu a vi passar e ela nem sequer parou para perguntar o caminho. Andou para a direção certa sem ao menos olhar para mim. Com que direito?

As pessoas são assim, usam e abusam de nós, chegam e dão promessas de eternidade, viram certezas, não falam o que sentem de cara para terem ainda o que falar depois e, então, aprendem o caminho, e seguem nele sem você. Tudo bem. Voltarei a ser só o segurança da loja e olharei para ela com orgulho sempre que ela passar, sabendo para onde vai: fui eu que ajudei.



E do outro lado da rua a menina ria: “esse segurança deve me achar maluca. Não sou maluca, só sou perdida. Ainda bem que finalmente aprendi o caminho”.

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