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Mostrando postagens de 2016

Oscar Maldito

Eu ouvi dizer que o ano começou a dar errado quando o Leonardo Di Caprio ganhou o Oscar. Que de algum modo isso abalou as leis do universo e então é ele que devemos culpar por tudo isso que aconteceu esse ano. E que ano. Baita ano. Ufa. Acho que Leonardo não teve culpa, talvez os culpados sejam as pessoas que escolheram que ele é que ganharia o Oscar. Talvez o Oscar deveria ter sido mais uma vez do Eddie Redmayne, que fez o ano de 2015 ser excelente. Mas que esse ano foi um ano ao menos esquisito, isso ele foi. A numerologia já tinha avisado que 2016 era o ano do fim. Realmente foi o fim de muitas coisas. Casais inseparáveis terminaram, pessoas extraordinárias e que não deveriam nos deixar nos deixaram e fazem uma falta danada e fica um sentimento infindável de saudade. Mas foi também um ano de fim para as minhas séries do netflix e livros que tinham lugar cativo na estante. 2016 foi politicamente amedrontado: Temer, Crivella, Trump. Socorro. E sabe lá o que ainda temos por vi

Medo

Eu odeio sentir medo. Nunca entendi porque as pessoas adoram filmes de terror, ou buscam qualquer tipo de entretenimento para levar sustos. Mas aos poucos fui aprendendo a evitar o medo. “O medo é uma emoção básica, não evite o medo”, alguns amigos de psicologia vão dizer: eu evito sim, não gosto. Evito o medo desde pequena. Desde a madrasta da branca de neve, que se transformava numa senhora macabra. Eu não assistia essa parte do filme sozinha e, às vezes, passava a cena dela. Se bobear eu continuo fazendo o mesmo. É relativamente fácil, eu evito filmes de terror e parques de diversão com brinquedos como “o trem fantasma”. Certa vez um amigo, em uma viagem, me obrigou a ir em um trem fantasma e até assim eu evitei o medo: transformei o medo em raiva e sentia que meu motivo de vida era matar meu amigo que me obrigou a ir nesse brinquedo estúpido. Saindo do brinquedo, dentro do qual eu fiquei de olhos fechados o tempo todo, a raiva foi passando aos poucos. O mesmo amigo, na mesma v

Vênus e Júpiter

Vênus e Júpiter vão se beijar e depois se despedir por 50 anos. Essa foi a manchete que eu li hoje. Abri para ler a matéria que indicava vários dados em bilhões e bilhões que eu não entendia, apenas me apeguei a parte de que Vênus e Júpiter não só vão se encontrar como vão parecer ser um só, e depois, se separar. Só voltarão a ser um só novamente daqui a 50 anos. Quando li a notícia eu já tinha perdido esse encontro e fiquei ainda mais desesperada: faltam 50 anos para eles se beijarem novamente. Eles devem contar cada segundo. Os astrônomos dizem que se beijaram de 18:10h às 19:15h. Pudera, aproveitaram todo o tempo que tinham juntos. Vênus, deve estar triste agora, por ter que partir e, pior, por ter que deixar Júpiter partir também. Mas os dois tem muito trabalho pra fazer nesse universo gigante e infinito. E nós, meros mortais, sofremos por pessoas que podemos ver em minutos, em segundos, e nos dias contemporâneos, em uma ligação. Júpiter não pode ligar para Vênus no facetime.

Mésaria

Eu fui mesária. É uma coisa curiosa. As pessoas passam por você e a maioria tem a mesma cara de indecisão. Poucos são os que vão votar decididos. Eu fui um desses, ainda bem. Algumas pessoas se confundem com os números pois decorar aquilo não faz sentido nenhum já que os números não se vinculam com algo que realmente acreditam. Tive que ajudar uma senhora a lembrar quais eram os números do Pedro Paulo. Quis gritar “senhora, ele bate em mulher!!”. Calma, tudo bem, já passou. Ele não foi pro segundo turno, foi só um pesadelo ruim. As pessoas fingem que são apartidárias mas durante todas as 11 horas que ficam juntos acabam discutindo e revelando seus candidatos. E aparece de tudo. E você tem que continuar sentada lá, sorrindo, mesmo que ao seu lado tenha alguém, que por meio dessas conversas, você descobre que apoia a ditadura militar. E, aos poucos, você vai perdendo a noção do tempo e já não sabe mais se fala “oi, bom dia” ou “oi, boa tarde” e já fez de tudo um pouco: já pediu

Frases de efeito

“No meu lugar mais singular há silêncio”. Não sei se foi Lacan quem disse essa frase ou meu professor que dá aulas sobre Lacan, só sei que abri meu caderno e lá estava ela. Que frase linda. No meio do estudo parei algum tempo para ficar apenas contemplando essa frase. Quanto significado em tão poucas palavras. Lacan, ou meu professor, juntou simples palavras e as transformou numa frase incrível e profunda. Antigamente, a meta de vidas das pessoas era escrever um livro. Hoje em dia, com toda essa modernização e rapidez, acho que meu sonho é apenas escrever uma frase de efeito bonita, dessas que as pessoas param tudo que estão fazendo para refletir. Que leem e releem, não chegam a nenhuma conclusão fechada e pensam “Uau. Baita frase”. Eu queria mesmo era roubar algumas frases, dizer que fui eu quem escreveu, mas isso, infelizmente, não é ético. Imagina a felicidade de ter escrito alguma frase como “O problema não é crescer, é esquecer”, “Nós aceitamos o amor que achamos que mere

Hoje sonhei com você

Querido amor platônico, Hoje sonhei com você. Ontem também sonhei com você. Antes de ontem eu também sonhei com você. É verdade que não é nenhuma novidade: desde que te conheci sonho com você todos os dias. A maioria dos sonhos são sobre como nosso casamento é lindo ou sobre como vamos nomear nossos filhos. Não é só dormindo que sonho com você. Sonho com você acordada também, e é isso que eu faço a maior parte do tempo. Mas essa noite sonhei que você beijava outra pessoa. Acordei muito assustada. Acordei muito assustada e muito triste. Quem você pensa que é para invadir o meu sonho e beijar outra pessoa dentro da minha própria cabeça? O problema é que nem no sonho eu podia brigar com você por estar com outra pessoa, porque mesmo não tão consciente eu tinha lucidez o suficiente para saber que nem em sonho você é meu. Não ser meu, porém, não te dá o direito de invadir a minha mente e beijar outra pessoa, assim na minha cara. A verdade é que não quero ver você beijando outras pes

20 centavos ou um real

Entrei no ônibus e fiz o que sempre faço: botei meus fones de ouvido e meu celular para tocar alguma música no Nando Reis, recostei a cabeça e fiquei esperando o sono chegar para que a quase viagem que faço da faculdade para a minha casa passasse mais rápido, quando de repente ouvi uma gritaria e tirei os fones de ouvido. A voz do Nando Reis foi substituída por um diálogo revoltado. “Eu já disse que só tenho que te dar 20 centavos!” - disse o motorista aos berros para um dos passageiros que cobravam, com calma e sutileza, um real. “Senhor, eu te dei R$ 4,80, tem que me dar um real!” - respondeu o passageiro ainda com calma. A multidão começou a se formar ao redor do pequeno espaço entre o motorista e a roleta e todos gritavam “calma, moço!” para o motorista, que conforme o diálogo ia se desenrolando ficava cada vez mais nervoso. Alguns mais medrosos saíam de perto. Eu, talvez a mais medrosa de todas, não mexi um centímetro de onde estava: tirar os fones de ouvido foi tudo o qu

“A senhora já tem o cartão da loja?”

“A senhora já tem o cartão da loja?” Fui até uma livraria se nenhuma intenção de comprar nada, porém, como uma pessoa compulsiva por livros que sou, me apaixonei pelo novo livro de crônicas do Antônio Prata e resolvi perguntar a quem eu estava enganando ao entrar numa livraria e achar que não compraria nenhum livro. Levei o meu mais novo xodó literário ao caixa e a mulher que estava no caixa perguntou “a senhora já tem o cartão da loja?”. SENHORA? Com certeza não é a primeira vez que acontece, ou a primeira vez que percebo esse vocativo. Mas quando isso começou a acontecer? Quando eu me tornei senhora? Talvez a culpa seja das pessoas que no auge dos meus dezenove anos me chamam de senhora. Nada tenho de senhora, nem ao menos quero ter. Será que eu pareço uma senhora? O que aconteceu com o delicado menina? Se bem que “a menina já tem o cartão da loja?” não seria bom. O que houve com o “moça”? Um simples “a moça já tem o cartão da loja?” seria certamente bem melhor, mas não dar

Meninas de respeito

Desde pequenas somos criadas assim. Somos criadas para não usar roupas muito curtas, para sermos delicadas e femininas e para sermos “meninas de respeito”. Os meninos escutam essa frase, repetem essa frase, os pais falam essa frase, os professores falam essa frase, os amigos falam essa frase, os familiares falam essa frase, todos continuam repetindo essa frase até que as meninas acreditem nela. Nos fazem acreditar que existem “meninas de respeito”, como se houvessem meninas que não devessem ser respeitadas. Não deveria ser necessário que milhares de mulheres estejam escrevendo textos como esse. Também não deveria ser normal que milhares de mulheres passem pelo o que essa menina de dezesseis anos passou. Infelizmente, porém, enquanto houver a separação das “meninas de respeito” e as “meninas que não se dão o respeito” textos assim são necessários. Se todos pensassem que isso é um absurdo, a coisa estaria melhor, mas o que mais assunta é que nem todos pensamos assim. Ninguém merece

Apesar de você, nuvem preta

Apesar de você, nuvem preta O dia amanheceu preto. Talvez, pela chuva que tem tomado o Rio de Janeiro. Talvez por outros tipos de trovões e raios. E eu resolvi sair de vermelho. Em meio a um mar negro eu usava um casaco vermelho. Em tempos em que o vermelho significa violência, eu o vestia em nome do amor. Acrescentei a ele uma camisa do Chico Buarque, acreditando estar somando ainda mais amor. Não foi o que aconteceu. A massa negra me olhava com desdém, como se eu estivesse afrontando todos que achavam certo trajar luto, não estava, apenas havia acordado escutando Chico Buarque e pensei que minha roupa devia expressar meu gosto musical, o casaco, apenas combinava com a blusa. Olhei-me no espelho com aquela roupa e achei uma vestimenta simpática, mas descobri mais tarde que não era nem ao menos apropriada. O que é uma cor? O que é uma roupa? O que é uma cor de roupa? Talvez muito, mas pra mim, muito pouco. De modo algum sou contra os protestos das pessoas, acho digno usar

Cigarro e batom

Cigarro e batom Sigo num ônibus lotado. É difícil até mesmo respirar. O som das buzinas se misturam às cansadas expirações de todos que, assim como eu, não veem a hora de chegar em casa. Olhando pela janela, apenas entre aberta devido a grande dificuldade que tive de abrí-la, avistei meu ponto, e subitamente levantei e puxei a corda para que o ônibus parasse. Desci as escadas com pressa, ansiando pela minha casa, e segurando tudo na mão: bolsa, caderno, livros e uma garrafa de plástico. A garrafa de plástico estava vazia, cumprira seu papel de fornecer-me água, mas com toda a água já bebida, não possuía mais valor algum. Assim, enquanto esperava o sinal de trânsito dar a deixa para que eu atravessasse, reparei que ao meu lado havia uma lata de lixo, e fui jogar a não mais útil garrafa fora, quando deparei-me com ele: um resto de cigarro manchado de batom vermelho.   Talvez, se não fosse pelo batom, eu nunca seria capaz de perceber aquele cigarro, imerso em tantos outros