Apesar de você, nuvem preta

Apesar de você, nuvem preta


O dia amanheceu preto. Talvez, pela chuva que tem tomado o Rio de Janeiro. Talvez por outros tipos de trovões e raios. E eu resolvi sair de vermelho. Em meio a um mar negro eu usava um casaco vermelho. Em tempos em que o vermelho significa violência, eu o vestia em nome do amor. Acrescentei a ele uma camisa do Chico Buarque, acreditando estar somando ainda mais amor. Não foi o que aconteceu.


A massa negra me olhava com desdém, como se eu estivesse afrontando todos que achavam certo trajar luto, não estava, apenas havia acordado escutando Chico Buarque e pensei que minha roupa devia expressar meu gosto musical, o casaco, apenas combinava com a blusa. Olhei-me no espelho com aquela roupa e achei uma vestimenta simpática, mas descobri mais tarde que não era nem ao menos apropriada.


O que é uma cor? O que é uma roupa? O que é uma cor de roupa? Talvez muito, mas pra mim, muito pouco. De modo algum sou contra os protestos das pessoas, acho digno usar preto quando se está de luto, quando se está chuva, quando se está insatisfeito, mas hoje senti medo de todo esse preto. Tanto medo que comprei uma blusa para disfarçar-me na multidão descolorida.


Ri muito da minha escolha errada e acidental, mas as pessoas não pareciam rir. Nem da minha escolha e nem da escolha de outras pessoas na rua. Notícias corriam com frequência sobre pessoas sendo hostilizadas por usar vermelho, coisa que são livres para fazer, sem querer, como foi o meu caso, ou propositalmente. O que deixaram de notar, é que, talvez, eu usasse Chico Buarque para lembrá-los o tanto que lutamos para termos o direito de sair em público vestindo vermelho e voltar para casa sem nenhum arranhão.

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