Mésaria

Eu fui mesária. É uma coisa curiosa. As pessoas passam por você e a maioria tem a mesma cara de indecisão. Poucos são os que vão votar decididos. Eu fui um desses, ainda bem. Algumas pessoas se confundem com os números pois decorar aquilo não faz sentido nenhum já que os números não se vinculam com algo que realmente acreditam. Tive que ajudar uma senhora a lembrar quais eram os números do Pedro Paulo. Quis gritar “senhora, ele bate em mulher!!”. Calma, tudo bem, já passou. Ele não foi pro segundo turno, foi só um pesadelo ruim.


As pessoas fingem que são apartidárias mas durante todas as 11 horas que ficam juntos acabam discutindo e revelando seus candidatos. E aparece de tudo. E você tem que continuar sentada lá, sorrindo, mesmo que ao seu lado tenha alguém, que por meio dessas conversas, você descobre que apoia a ditadura militar.


E, aos poucos, você vai perdendo a noção do tempo e já não sabe mais se fala “oi, bom dia” ou “oi, boa tarde” e já fez de tudo um pouco: já pediu para assinarem, já liberou os votos, já destacou o comprovante - que querendo ou não vão sempre sair minimamente rasgados, já saiu pra almoçar - e, na maioria das vezes, não gastou seu vale refeição, já voltou, já quis dormir, já se orgulhou por estar ajudando na eleição e, no meu caso, principalmente já pensou “se eu trabalhei nesse negócio e o segundo turno der Crivella e Pedro Paulo eu não sei o que faço”.


Algumas pessoas que vão votar olham com pena pra você, outras não esboçam nada e outras acham que você é funcionário delas. Algumas perguntam coisas como se os mesários fossem grandes experts em votação: não somos. Os mesários, e principalmente aqueles que assim como eu não foram obrigados a fazer nenhum tipo de curso, chegam nas eleições uma hora antes da votação começar, só pra ajudar a arrumar as coisas. Não venham perguntar “como faço pra mudar meu título?”, “como funciona cada tarefa aqui?”, “qual a diferença de hierarquia dos mesários?”. Não sabemos responder nada disso. A única coisa que sabemos é fazer um “cara - crachá”, pedir “assina aqui por favor?”, apertar os números para liberar a votação e destacar o comprovante.


A última hora parece que nunca vai passar. Começa uma contagem regressiva que até os segundos valem. Sobram muitos comprovantes, ou seja, muitas pessoas não votam. “Isso tudo deve ter morrido”, alguém disse. Horrível e mórbido é pensar que talvez eles não tirem o nome das pessoas que já morreram. O que eles imaginam? Que as pessoas que já morreram vão lá votar? “Oi, bom dia, já morri mas o espírito democrático continua”. Não. Eles só querem dificultar o nosso trabalho, fazer com que pensemos que ainda faltam muitas pessoas para votar e tenhamos ainda mais dificuldade para destacar os comprovantes de voto.

No final, a contagem de voto sempre assusta e você sai dali ainda mais ansiosa para saber o resultado, se despede das pessoas com quem você passou o dia inteiro e nunca mais vai ver na vida - a não ser no dia do segundo turno - e vai pra casa. Chegando em casa você faz o que realmente quis fazer o dia inteiro. Dormir, você pensa. Não, você pode sair da votação mas a votação não sai de você: ligar a tv e acompanhar o resultado do seu candidato, falar com os amigos, perguntar em quem eles votaram, saber como foi a votação de cada um, quem foi adesivado, quem não foi, acompanhar os posts do facebook com todos as brigas que nos comentários podem ter, e, no final, e, no meu caso, comemorar que o seu candidato está no segundo turno. Ainda bem que não teve problema ajudar a senhora. Ufa.

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