20 centavos ou um real

Entrei no ônibus e fiz o que sempre faço: botei meus fones de ouvido e meu celular para tocar alguma música no Nando Reis, recostei a cabeça e fiquei esperando o sono chegar para que a quase viagem que faço da faculdade para a minha casa passasse mais rápido, quando de repente ouvi uma gritaria e tirei os fones de ouvido. A voz do Nando Reis foi substituída por um diálogo revoltado.


“Eu já disse que só tenho que te dar 20 centavos!” - disse o motorista aos berros para um dos passageiros que cobravam, com calma e sutileza, um real.


“Senhor, eu te dei R$ 4,80, tem que me dar um real!” - respondeu o passageiro ainda com calma. A multidão começou a se formar ao redor do pequeno espaço entre o motorista e a roleta e todos gritavam “calma, moço!” para o motorista, que conforme o diálogo ia se desenrolando ficava cada vez mais nervoso. Alguns mais medrosos saíam de perto. Eu, talvez a mais medrosa de todas, não mexi um centímetro de onde estava: tirar os fones de ouvido foi tudo o que fiz.


“Eu vou te expulsar do ônibus!” disse o motorista ao passageiro. E todos se perguntavam porque tanta revolta por causa de 20 centavos ou de um real. Até que o motorista soltou “Eu estou trabalhando sem receber, sabia?”. Não sabíamos. Aí a coisa piorou pois ninguém entendeu nada de porque ele disse isso. O que deixar de receber ou receber tinha a ver com a briga dos centavos? Nada.


O fato dele não receber não tinha conexão alguma com o fato dele estar brigando por alguns centavos. Porém, havia total conexão com o fato de que ele estava muito estressado, de que ele trabalhava sem perspectiva de ganhar dinheiro, de que ele tinha problemas enormes para resolver em casa, de que sem dinheiro ele não tinha como alimentar seus filhos ou a si mesmo. Talvez esteja comendo mal e também esse fator tenha aumentado sua agressividade. E depois de tudo que estava sofrendo vem um cara querer tirar satisfação por causa de um real? Foi o estopim.

Os outros passageiros, os poucos corajosos que sobraram e não foram embora com medo da briga, e que defendiam o bravo guerreiro que queria seu um real pegaram essa informação e disseram “nada temos a ver com o senhor receber ou deixar de receber!” Será mesmo que nada temos a ver?  Somos egoístas. Devíamos estar mais preocupados com a vida dos outros do que se nosso troco está certo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“A senhora já tem o cartão da loja?”

Mulheres Fortes

Terremoto